domingo, 31 de outubro de 2010

Submissão Cultural - Profª Ana Zatt

Não acho isso[1]



A submissão não é cultural: é econômica. Quer dizer, falar de submissão cultural como o xis da questão é mascarar a coisa. Os estrangeirismo de Língua Inglesa instalam-se confortavelmente no Brasil em função do grande domínio econômico dos Estados Unidos sobre o nosso país ( não só sobre o nosso). No início do século XX, os galicismos também foram criticados como “submissão cultural” francesa. Porém hoje ninguém se atreve a chamar sutiã de porta-seio! Se os usuários da língua escolhem o termo inglês em vez do similar em Português é porque há nele marca associada a algum tipo de status social. ( ou porque as coisas foram fabricadas pelos americanos e eles botaram os nomes da língua deles e a gente importa o produto com os nomes junto. E aí não tem outro jeito senão gramaticalizar, pois que a gente precisa conversar sobre as coisas. Por isso que deletamos, escaneamos, etc) Poder-se-ia criticar a pessoa por tal preocupação em ostentar determinado status. Bom, mas daí o problema não é o termo, mas a coisa. Coisa aliás propagada pela mídia à exaustão: a idéia de uma cidadania garantida pelas possibilidades de consumo, a idéia de valorização do sujeito pela participação nos valores e modo de vida da classe dominante, pelo poder de compra, pela aparência, pela moda ditada por quem tem dinheiro. Mesmo quando o valor, a cultura, a moda emergem de outra classe, elas são rapidamente “assimiladas” antropofagicamente pela classe que tem o poder de ditar e dizer como é que se pode ser, como é o jeito que se tem direito a ser na nossa cultura. Assim foi, por exemplo, com o movimento HIP HOP, genuína expressão de resistência surgida na periferia dos grandes centros, hoje convertido em estilo de música e moda usada por jovens de classe média alta; os jaquetões, os bonés, as calças rebaixadas, a cadência marcada, os djs despojados da sua singularidade, esvaziados da sua transgressão, para figurar nas vitrinas luxuosas dos shopping centers a preços impossíveis para o povo. Deste não se espera que tenha a petulância de achar que pode se vestir bem. Aliás, não se espera que tenha a petulância sequer de decidir o nome dos próprios filhos. Portanto, quando nomeia Michael ou Maikel, Whitney ou Uitnei, John ou Dion seus filhos, única alternativa que lhe é franqueada de aproximar os meninos daquele outro mundo que a televisão mostra como sendo o bom e desejado e, claro, possível para qualquer um que se esforce; quando o povo, num gesto de pura criação e autoria, instaura o nome como corolário da esperança que não tem mais onde se depositar, ele é enxovalhado, ridicularizado, parecendo que está cometendo um pecado contra a Língua e contra a Cidadania Brasileira! Ora, pois, que não sabem nem falar o Português e se metem a achar nomes bestas pros filhos! É por isso que este país não vai pra frente. Não é por causa dos juros abusivos dos bancos. Não é por causa do capital especulativo internacional - apátrida. Não é por causa da fraude e da corrupção que pilha a previdência social. Não é por causa do latifúndio secular. Não é por causa da governabilidade que mina progressivamente programas de governo. Não é por causa da vulnerabilidade das fronteiras ao tráfico de drogas. Não é por causa da invulnerabilidade do judiciário.

É por causa do infeliz do João que insiste que seu filho vai se chamar Holliday.

E que talvez não precise desejar tantos feriados para ser feliz nesse país de merda.








[1] Texto produzido como uma resposta ao artigo intitulado Submissão Cultural, de João Carlos Heberle, veiculado pela Zero Hora, não sei em que data exatamente, tendo sido alcançado para mim pela professora Leda, da biblioteca, pelo o que lhe sou muito grata.

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